Introdução
O conceito do Reino de Deus é central na mensagem e ministério de Jesus Cristo. Longe de ser apenas um território geográfico ou uma futura utopia distante, as fontes o definem primariamente como o governo dinâmico de Deus sobre todas as coisas, visíveis e invisíveis. Entender esse Reino e sua natureza multifacetada é fundamental para a teologia e a prática cristã.
O Reino no Antigo Testamento
A compreensão desse Reino evoluiu ao longo da história bíblica. O Antigo Testamento nos apresenta visões progressivas de sua manifestação. O Êxodo é visto como uma vinda inicial do Reino, onde Deus (Yahweh, "Eu Sou"), o "Deus presente que intervém na história para libertar seu povo", demonstra seu governo através da libertação de Israel do Egito. Posteriormente, a Monarquia Davídica, sob Davi e Salomão, representa uma "era de ouro", um período em que Israel experimentou a realidade de viver sob o reinado de Deus. Esta era foi marcada pela manifestação da justiça divina, vitória sobre inimigos, prosperidade plena (simbolizada por um grande banquete), paz (Shalom), e a sabedoria de Deus impactando todas as áreas da vida. A presença poderosa de Deus no meio do seu povo, vista no Tabernáculo e no Templo, era uma marca dessa era. Contudo, a infidelidade de Israel levou à perda desse reino e ao exílio.
A Promessa Profética
É nesse contexto de perda e desespero que a Promessa Profética surge com força na segunda metade do Antigo Testamento. Profetas como Isaías e Daniel anunciaram que o Reino de Deus viria novamente, e dessa vez, de forma ainda mais grandiosa. Eles apontavam para um futuro "Dia do Senhor", um momento de intervenção divina que corrigiria todas as injustiças e inauguraria uma nova era. Essa nova era seria caracterizada pelo derramamento do Espírito Santo, salvação plena, cura e libertação, a restauração do Shalom, a destruição da morte, e a renovação de toda a criação. Daniel, em particular, introduz a figura de "alguém semelhante a um filho de homem" que receberia autoridade e um reino eterno, e essa autoridade seria eventualmente entregue aos "santos do Altíssimo". Esta promessa profética gerou uma grande expectativa pela vinda gloriosa do Reino.
Os últimos dias chegaram
Então, Jesus aparece em cena proclamando: "O tempo é chegado", dizia ele. "O Reino de Deus está próximo.". Esta declaração de Jesus não significava apenas que o Reino estava para vir, mas que, de forma misteriosa e inesperada, ele já havia chegado e estava invadindo o mundo através do seu ministério. O período dos "últimos dias" profetizados começou com Jesus e o Pentecostes. Derek Morphew utiliza a expressão "Escatologia Inaugurada" para descrever essa realidade. A era final, a era escatológica, foi inaugurada com a primeira vinda de Jesus.
O ministério de Jesus
O ministério de Jesus foi a demonstração prática dessa inauguração. Ele não apenas ensinava sobre o Reino, mas o demonstrava em palavras e obras. Sua autoridade sobre demônios, doenças, a natureza, o pecado e até a morte era a manifestação do governo de Deus invadindo a experiência humana. Ele perdoava pecados com autoridade que só pertencia a Deus, curava enfermos, expulsava demônios, acalmava tempestades, e ressuscitava mortos. Tudo isso apontava para o fato de que o futuro de Deus, com suas bênçãos de cura, justiça e paz, estava sendo trazido para o presente.
O Reino já e ainda não
Contudo, uma das verdades mais cruciais e, para alguns, misteriosas sobre o Reino de Deus na teologia de Jesus é a sua natureza de "já e ainda não". O Reino já chegou em Jesus e através do seu ministério. Os poderes da era vindoura já romperam no presente e estão disponíveis. Quando alguém vem a Cristo, torna-se uma "nova criação", já vivendo a vida da era futura, a vida eterna, agora. A presença e o poder do Espírito Santo tornam isso possível. Mas o Reino ainda não veio em sua consumação final. O sofrimento humano, a dor e as dificuldades não desapareceram. A morte ainda é uma realidade, e o mundo ainda contém elementos da "velha era". Vivemos num período de tensão dinâmica, entre a primeira vinda de Jesus ("já") e a Sua segunda vinda ("ainda não", na sua plenitude e glória). Este período, desde o Pentecostes até o retorno de Cristo, são os "últimos dias".
A vida no Reino
Essa tensão tem implicações profundas para a vida cristã e a Igreja. Nós, como crentes, vivemos simultaneamente na realidade da "nova criação" e na luta contínua com a natureza caída, o "velho homem". Paulo, em seus escritos, descreve essa batalha interna entre a carne e o Espírito, que representa o poder do Reino agindo em nós. Essa tensão explica as experiências simultâneas de vitória e derrota, alegria e tristeza, vida e morte que marcam o caminhar do cristão. John Wimber, em seus ensinamentos e experiências, frequentemente refletia sobre essa realidade de viver no "já e ainda não".
Sinais do Reino Presente
Para o Movimento Vineyard, essa compreensão é fundamental para a prática ministerial. Ela é a estrutura para entender a cura e os milagres. A cura acontece porque o Reino já invadiu, trazendo os poderes da era vindoura para o presente. No entanto, ela nem sempre acontece porque o Reino ainda não veio em sua plenitude. A oração por cura acontece dentro dessa tensão, onde oramos com fé, mas os resultados estão nas mãos de Deus, reconhecendo a realidade do "ainda não". Essa perspectiva evita tanto o cessacionismo (que nega a continuidade dos dons e milagres na era presente) quanto um triunfalismo ingênuo (que ignora a persistência do sofrimento e da luta).
Venha o Teu Reino
A tensão "já e ainda não" também enquadra a oração "Venha o Teu Reino". Jesus nos ensinou a orar para que a vontade de Deus seja feita na terra como no céu, um convite contínuo para que o governo de Deus (o Reino) se manifeste agora em nossas vidas e no mundo, mesmo antes de sua consumação final. Essa oração está conectada com a experiência do Pentecostes, como um convite para que o Espírito Santo (o poder do Reino) continue invadindo o presente. A dinâmica de "presença e poder", tão enfatizada na Vineyard, flui diretamente dessa oração. A presença de Deus, buscada na adoração íntima, libera Seu poder para o ministério.
Proclamação e Demonstração
Além disso, essa perspectiva molda a compreensão da missão e do evangelismo. Jesus comissionou Seus discípulos a irem a todas as nações, proclamando e demonstrando o Reino. Esta comissão é para continuar "até o fim dos tempos", significando que a Igreja vive no período em que deve ativamente participar da extensão do Reino, manifestando seus valores e poder. O evangelismo de poder, que combina a proclamação com a demonstração (milagres, cura, profecia), é uma expressão natural dessa teologia. No início a Vineyard praticava um evangelismo onde colocavam as mãos em qualquer coisa que se movesse, buscando ver o Reino de Deus invadir as vidas das pessoas.
O povo do Reino
A compreensão do "já e ainda não" também impacta a visão da Igreja e seu papel no mundo. A Igreja é o "povo do Reino 'já', mas 'não ainda'". Ela vive no mundo, mas não é totalmente conformada a ele. É chamada a ser uma demonstração do Reino (evangelismo atrativo), mas deve evitar o utopismo que espera a consumação plena do Reino nesta era. A luta contra a injustiça e o mal é parte da demonstração do Reino, mas a vitória final sobre o mal aguarda a volta de Cristo.
Teologias concorrentes
Historicamente, diversas abordagens teológicas tentaram resolver a tensão entre o "já" e o "ainda não" de maneiras que não fazem justiça à complexidade bíblica. O Cessacionismo argumenta que os dons miraculosos associados à era apostólica cessaram, limitando a manifestação do Reino na era presente. O Dispensacionalismo, em algumas de suas formas, divide a história em dispensações rígidas que podem separar excessivamente o presente da plenitude futura do Reino. O Restauracionismo, embora abrace a continuidade dos dons, pode, em algumas manifestações, focar excessivamente em figuras autoritárias e uma teologia da batalha espiritual que nem sempre reflete a dinâmica do "já e ainda não". A perspectiva Vineyard, influenciada por acadêmicos como George Ladd, busca uma abordagem mais equilibrada, abraçando a "tensão dinâmica". John Wimber, fundador da Vineyard, incentivava a busca pela experiência do Reino presente e poderoso. Derek Morphew e outros teólogos da Vineyard refinam essa compreensão, enfatizando a realidade do "já e ainda não" como a estrutura essencial para entender a vida cristã, o ministério e a missão. Eles reconhecem que o Reino pode invadir a qualquer momento com poder, mas também que nem sempre vemos os resultados que desejamos deste lado do céu. Essa honestidade sobre a tensão é parte de sua identidade.
Conclusão
Em resumo, a teologia do Reino de Deus na perspectiva "já e ainda não" oferece uma estrutura rica e dinâmica para entender a obra de Deus desde o Antigo Testamento até a consumação final. Ela reconhece que com a vinda de Jesus, o governo de Deus já invadiu o mundo, trazendo os poderes da era futura para o presente através do Espírito Santo. Contudo, afirma que esse Reino ainda não veio em sua plenitude final. Vivemos nessa tensão, nessa era entre eras, onde somos novas criaturas lutando com a velha natureza, chamados a participar ativamente da expansão e demonstração do Reino em um mundo que ainda sofre. Essa compreensão não é apenas uma doutrina teológica, mas uma realidade a ser experimentada e vivida. Ela nos desafia a orar continuamente por mais do Reino, a buscar a presença e o poder de Deus, e a participar corajosamente do anúncio e demonstração do Seu governo dinâmico, mesmo em meio à realidade persistente do sofrimento e da imperfeição, confiantes na promessa de Sua consumação gloriosa na volta de Cristo.
Fontes:
Livrete "DNA O que é o Reino de Deus", Vineyard Brasil
Vídeos "Descobrindo o Reino", com Derek Morphew, no canal "Vineyard Brasil" no YouTube
Livro "Demonstrating the Kingdom", de Derek Morphew
Vídeo "John Wimber - The Kingdom of God", no YouTube
Vídeo "The Kingdom is Near", com Alexander Venter no canal "Vineyard Churches UK & Ireland" no YouTube
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